Eu, um Velho do Restelo, ou homem prudente?!
EU, UM VELHO DO RESTELO OU PRUDENTE?
Várias vezes me chamaram pessimista. Digo sempre que sou realista, gosto de analisar as duas faces da realidade, vejo o futuro com óculos escuros e não cor-de-rosa, dá.me mais segurança. e a prudência aprendia-a na escola, na universidade, na vida. Era uma noite ultra-tempestuosa e estava no bar da messe de oficias em Luanda. Ao meu lado, na mesinha virada para o BCA, os relâmpagos sucediam-se com uma frequência impressionante. O meu camarada falou então na epopeia dos descobrimentos e no gigante Adamastor que surgia aos olhos dos marinheiros de então. Falou-se no episódio do Velho do Restelo, criticando a expansão colonial pois tinha custos enormes e o povo, o povo dos campos, o servo da gleba de então, nada lucrava. Eu identifiquei-me um pouco com ele.
__Ainda hoje ao falar com o engenheiro francês sobre o custo das pás de um Allouette III fiquei abismado. Será que o país é capaz de suportar durante muitos anos esta situação com o OGE a ter quarenta e tal por cento destinado às FA?
__Tu és um pessimista, és o Velho do Restelo do Camões. É claro que sim. O ultramar português é uma espécie de galinha de ovos de ouro, não a podemos deixar morrer...
Enfim, o diálogo prosseguiu em termos que já não posso pormenorizar pois o tempo decorrido foi muito. Falei-lhe na minha formação cultural. Na prudência dos orçamentos familiares, empresariais, nacionais. Disse-lhe que ninguém pode viver eternamente acima das suas possibilidades. Ao fazer um OGE (Orçamento Geral do Estado) era preciso ponderar tantos factores: custo do petróleo, taxas de juro, cotação do dólar, impostos directos e indirectos, o surgimento de uma calamidade, como inundações ou incêndios graves, doenças nas pessoas ou nos animais, colheitas boas ou más, enfim "abri-lhe o livro" de tal forma que ele carregou na dose.
__Tu ainda és mais pessimista do que o Velho do Restelo, porra.
Não havia televisão e as noites eram longas.
Enfim, tenho pelo Poeta Camões uma grande consideração. Ele tinha uma opinião própria, mas dava a palavra aos que pensavam de outra forma. Ele não acreditava nos deuses, mas usou-os como forma de homenagear a cultura antiga. Ele era a favor da expansão ultramarina, mas não deixava de dar a voz aos detractores dela (uma espécie de "oposição" àquela época) procurava ver os dois lados da "verdade"!. Sempre gostei da postura de pessoas abertas à análise plurifacetada, aparentemente contraditórias, estas pessoas conseguem albergar vários cenários possíveis. A futurologia é essa capacidade de ponderar os vectores fundamentais, não olvidando os que aparentemente acessórios , poderão ter grande impacto futuro. Estava a ler por essa altura um livro do general Mosh Dayan (o israelita que esteve na génese da vitória sobre os egípcios na Guerra dos Seis Dias). Opinei então sobre o factor tempo. Esta guerra de guerrilha em que estávamos envolvidos poderia ser uma catástrofe para a nossa economia (sustentabilidade futura) pois estando aparentemente vencida, na prática, poderia ser interminável e de desgaste em desgaste, poderia levar-nos à saturação, e até ao surgimento de algum adepto do Velho do Restelo!!!
Enfim, passaram-se três anos e o futuro deu-me razão. Os capitães de Abril (a voz da "oposição" ao "status quo"...) foram obrigados a dar o golpe de Estado (seguido de revolução) pois a extrema direita (a chamada "brigada do reumático"...) foi demasiado otimista e não teve a prudência necessária para planificar uma independência a prazo. De otimismo em otimismo, cairam no descrédito pois as saídas não existiam. Estávamos de facto num beco sem saída...Só não viam os fanáticos e sem capacidade imaginativa.
Comentários
Enviar um comentário